segunda-feira, agosto 28, 2006

0s 40 anos de 'Pet Sounds'


Os Beach Boys eram já o mais popular dos grupos americanos, 16 êxitos top 40 somados desde 1962 (o single de estreia, Surfin’, de 1961, não passou do número 72), com imagem e som feita de harmonias vocais, pop luminosa e canções sobre praia, sol e surf, quando, em 1965, Brian Wilson decidiu não mais querer sair em digressão, optando por ficar em casa a trabalhar em novas canções. Assim foi. Do Verão de 1965 havia nascido uma adaptação (e radical transformação) de um tradicional tema folk, sugerido por Al Jardine a Brian Wilson. Sloop John B. A conclusão da gravação foi interrompida pela necessidade de misturar o álbum ao vivo The Beach Boys Party!, editado ainda em 1965. De regresso ao estúdio, banda entretanto novamente na estrada, Brian Wilson retomou o trabalho em Sloop John B, acabando este, na sua forma nova, de arranjos desafiantes, por ser o catalisador da ideia que começou então a ganhar forma. Brian convocou um letrista novo, Tony Archer, que havia conhecido num estúdio de Hollywood meses antes. De uma primeira sessão junta nasceu You Still Believe In Me, nova letra sobre uma ideia musical de Wilson. O resultado não podia ditar senão outra conclusão: tinham de continuar a trabalhar juntos.
O trabalho de composição decorreu essencialmente entre Dezembro de 1965 e Janeiro de 1966, revelando as canções (mesmo ainda sem os arranjos definitivos), indícios de novos caminhos, sublinhando as letras uma maturidade não antes vista num grupo que até então celebrara essencialmente os sabores e cores de uma juventude em idílio hedonista de sol, praia e raparigas bonitas. A primeira grande oposição às novas propostas chegou do, sistematicamente conservador, Mike Love, incomodado pela letra de Hang On To Your Ego, afirmando traduzir a canção uma noção então em voga entre os consumidores de LSD (entre os quais Brian Wilson), que via como positiva a acção sobre o ego da droga alucinogénica. Depois de quente debate, foi o próprio Brian quem decidiu mudar a letra, sem vontade de ensopar em controvérsia a ideia de álbum que tinha em mente. A revisão da letra, com título definitivo I Know There’s An Answer, coube a Terry Sachen, o road manager do grupo nesses dias. A verdade original foi entretanto reposta quando o álbum conheceu edição em CD em 1990, em jeito de faixa bónus.


Novamente tranquilo, Brian retomou o trabalho nas canções, começando a desenvolver ideias para os seus arranjos. Mas mesmo antes de ganhar um som transversal, o disco em gestação denunciava já uma identidade conceptual, o tal sentido de unidade revelado no álbum Rubber Soul dos Beatles, coesão essencialmente conferida pelas letras de canções, quase todas a contar histórias de relações tumultuosas que traduziam preocupações de Brian Wilson e da sua difícil transição entre juventude e maioridade, os sonhos de um futuro melhor e reflexões sobre a natureza do amor.
Com grande parte da composição concluída, Brian passou parte dos meses de Fevereiro e Março de 1966 a gravar os instrumentais de cada canção em estúdios de Los Angeles, juntando um elenco de notáveis músicos, e com uma ideia fixa em mente: a de conseguir o som de Phil Spector, cuja técnica “wall of sound” o músico procurou usar em favor das suas canções. À técnica e ciência somou-se, ainda, saudável loucura e vontade de experimentar. Em Caroline No ouve-se o cão de Wilson (daí, depois, a ideia para o próprio título do álbum). Em Pet Sounds Brian usou uma lata de Coca Cola para sugerir o ritmo. Em I Just Wasn’t Made For These Times nota-se aquela que poderá ter sido a primeira utilização de um theremin em regime pop.
Ao regressarem da digressão, os restantes membros dos Beach Boys depararam com canções que nunca haviam escutado, formas diferentes e ideias invulgares para o que, até então, era o seu livro de estilo. A resistência à novidade foi evidente, mas desta vez Brian não cedeu, e acabou por levar avante a sua ideia. Seguiram-se longas e exigentes sessões de gravação das vozes, durante as quais o compositor não permitiu a mais pequena imperfeição nos jogos de harmonia, concluindo todas as canções menos duas, que optou por deixar apenas como instrumentais. Outra decisão de última hora afastou do alinhamento final uma outra canção na qual Brian começara a trabalhar, e para a qual sentiu que precisava de mais tempo em estúdio: Good Vibrations.
Frente a uma mesa de gravação com oito pistas (a única então existente em Los Angeles, no estúdio da Columbia), misturando em directo durante a gravação, Brian comandou com pulso firme a construção da sua visão. Tal como Phil Spector, Brian fez a mistura final em mono. A rádio e televisão emitiam em mono, os rádios dos carros e a maioria dos gira-discos eram mono. E o próprio Brian, surdo de um ouvido (diz-se que por resultado de uma violenta bofetada do pai quando tinha dois anos), certamente dominava o mono, não o estéreo.


Em Abril o disco foi mostrado à editora, mostrando os executivos algum cepticismo (leia-se falta de entusiasmo) pelo som novo do grupo. Como single de avanço foi escolhido o tema Caroline No, o single todavia apenas creditado a Brian Wilson, não ultrapassando o número 32 na tabela de vendas. Melhores prestações tiveram os seguintes 45 rotações. Sloop John B foi número 3 nos EUA e número 3 no Reino Unido. Wouldn’t It Be Nice subiu ao número oito na América e o seu lado B, God Only Knows, somou mais um segundo lugar em Inglaterra. Reeditado nos Estados Unidos, este último single não fez melhor que um discreto número 39. Balanço final claramente mais positivo na Europa que nos Estados Unidos, com o álbum a chegar a número dois em Londres e a aí ganhar expressivos aplausos da crítica, da própria editora local, e até mesmo dos músicos, Paul McCartney falando pouco depois, publicamente, da importância que Pet Sounds acabaria por ter na música dos Beatles. (*)

Discos Voadores. De regresso de férias, este fim de semana recordam-se os 40 anos de Pet Sounds na Radar (sábado pelas 18.00, repetindo domingo às 22.00). Como aperitivo, o teledisco original de Wouldn't It Be Nice, em puro regime de tele-pop-inocência.

(*) Excerto de texto publicado na edição de 25 de Agosto da revista '6ª'