quinta-feira, agosto 31, 2006

O esplendor do nada

Por vezes, muitas vezes, somos agredidos por imagens que querem dizer "tudo", envolvendo-nos e paralisando-nos com a chantagem da totalidade — vejam-se os telejornais. Por isso, outras vezes, necessitamos de imagens investidas de algum "nada", puras emanações de algo, ou alguém, coabitando sem destino, sem culpa e sem remorso com uma câmara — Bob Dylan, por exemplo, registado num teste conduzido por Andy Warhol. Foi há muito tempo, mas tem a virgindade de um momento presente. Nada a dizer.



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Do fundo do coração

Nunca vos aconteceu? A beleza de um filme fazer-vos desejar, não que se apresse a revelação do seu mistério interior, mas o contrário: que cada momento, cada imagem possa cristalizar no espaço da nossa visão, permanecendo ali como coisa imponderável, encantatória, que se basta a si própria. Não porque as imagens de um filme se devam medir por qualquer razão "pictórica"; antes porque nelas podemos encontrar a metódica decomposição do mundo das ilusões e aparências, atingindo algo que, à falta de melhor, diremos que está algures muito fundo — nas águas e no coração. Lady in the Water, de M. Night Shyamalan, é um desses filmes. Em português chamaram-lhe A Senhora da Água e chegará às salas no dia 28 de Setembro.

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Bye, Johnny.

Gilda e Johnny — aliás, Rita Hayworth e Glenn Ford no filme Gilda (1946), de Charles Vidor, um desses contos de experiência e desencanto que deram corpo à noção de mulher fatal. Ela viveu entre 1918 e 1987 e, apesar de si própria (os homens deitam-se com Gilda e acordam com Rita...), entrou para a galeria das estrelas realmente eternas e inacessíveis. Ele morreu ontem, dia 30 de Agosto de 2006, contava 90 anos. Por mais voltas que possamos dar, deslumbramo-nos sempre com a mesma magia infantil: as imagens sobrevivem a todas as mortes que as habitam.

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quarta-feira, agosto 30, 2006

Murnau: memórias de 1922

Que é feito do cinema fantástico? Ou do fantástico no cinema? Digamos, necessariamente esquematizando (mas não muito...), que o género se encontra em estado comatoso: por um lado, produz-se uma quantidade imensa de títulos directa ou indirectamente ligados a temáticas ditas fantásticas; por outro lado, a julgar por uma parte significativa dos exemplos, predominam as ilusões tecnicistas (os efeitos especiais concebidos como um fim em si mesmo) ou as facilidades simbólicas (o género como um espaço de significações fechadas sobre os seus próprios códigos, repetidas até ao academismo mais entediante).
Isto apenas para sublinhar que, finalmente, no mercado português do DVD, surgiu uma edição desse hiper-clássico fantástico que é Nosferatu (1922). de F. W. Murnau — título habitualmente citado como fundador do género de vampiros, é acima de tudo uma travessia das sombras do humano, expostas com a simplicidade desarmante de um cineasta cuja modernidade desafia muitos sectores da nossa contemporaneidade.

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terça-feira, agosto 29, 2006

Dylan, USA

Talvez não pudesse ser doutra maneira: primitivo e confessional. Mas é a maneira justa: Bob Dylan está de volta — cinco anos depois de Love and Theft, e já nove passados sobre Time Out of Mind —, com um álbum que o devolve às suas raízes mais puras, dispersas pela paisagem imensa do folk, sem evitar "desvios" mais ou menos perversos, incluindo, pontualmente, algumas breves e deliciosas conjugações jazzísticas. Que é como quem diz: Modern Times, 44º álbum de Dylan, 31º de estúdio, apresenta-se como uma deambulação fascinante pelos sons que lhe conferiram identidade e que, de modos muito diversos, ele soube reinventar e reinscrever na própria identidade da música popular dos EUA. São dez canções em tom de serena introspecção pessoal e interrogação colectiva, observando e amando a América, ainda e sempre como um labirinto de contradições à procura da sua geografia mitológica. Para que conste, no tema de abertura, Thunder on the Mountain, diz-se assim:

"Everybody going and I want to go, too
Don’t wanna take a chance with somebody new
I did all I could, I did it right there and then
I’ve already confessed – no need to confess again."


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segunda-feira, agosto 28, 2006

0s 40 anos de 'Pet Sounds'


Os Beach Boys eram já o mais popular dos grupos americanos, 16 êxitos top 40 somados desde 1962 (o single de estreia, Surfin’, de 1961, não passou do número 72), com imagem e som feita de harmonias vocais, pop luminosa e canções sobre praia, sol e surf, quando, em 1965, Brian Wilson decidiu não mais querer sair em digressão, optando por ficar em casa a trabalhar em novas canções. Assim foi. Do Verão de 1965 havia nascido uma adaptação (e radical transformação) de um tradicional tema folk, sugerido por Al Jardine a Brian Wilson. Sloop John B. A conclusão da gravação foi interrompida pela necessidade de misturar o álbum ao vivo The Beach Boys Party!, editado ainda em 1965. De regresso ao estúdio, banda entretanto novamente na estrada, Brian Wilson retomou o trabalho em Sloop John B, acabando este, na sua forma nova, de arranjos desafiantes, por ser o catalisador da ideia que começou então a ganhar forma. Brian convocou um letrista novo, Tony Archer, que havia conhecido num estúdio de Hollywood meses antes. De uma primeira sessão junta nasceu You Still Believe In Me, nova letra sobre uma ideia musical de Wilson. O resultado não podia ditar senão outra conclusão: tinham de continuar a trabalhar juntos.
O trabalho de composição decorreu essencialmente entre Dezembro de 1965 e Janeiro de 1966, revelando as canções (mesmo ainda sem os arranjos definitivos), indícios de novos caminhos, sublinhando as letras uma maturidade não antes vista num grupo que até então celebrara essencialmente os sabores e cores de uma juventude em idílio hedonista de sol, praia e raparigas bonitas. A primeira grande oposição às novas propostas chegou do, sistematicamente conservador, Mike Love, incomodado pela letra de Hang On To Your Ego, afirmando traduzir a canção uma noção então em voga entre os consumidores de LSD (entre os quais Brian Wilson), que via como positiva a acção sobre o ego da droga alucinogénica. Depois de quente debate, foi o próprio Brian quem decidiu mudar a letra, sem vontade de ensopar em controvérsia a ideia de álbum que tinha em mente. A revisão da letra, com título definitivo I Know There’s An Answer, coube a Terry Sachen, o road manager do grupo nesses dias. A verdade original foi entretanto reposta quando o álbum conheceu edição em CD em 1990, em jeito de faixa bónus.


Novamente tranquilo, Brian retomou o trabalho nas canções, começando a desenvolver ideias para os seus arranjos. Mas mesmo antes de ganhar um som transversal, o disco em gestação denunciava já uma identidade conceptual, o tal sentido de unidade revelado no álbum Rubber Soul dos Beatles, coesão essencialmente conferida pelas letras de canções, quase todas a contar histórias de relações tumultuosas que traduziam preocupações de Brian Wilson e da sua difícil transição entre juventude e maioridade, os sonhos de um futuro melhor e reflexões sobre a natureza do amor.
Com grande parte da composição concluída, Brian passou parte dos meses de Fevereiro e Março de 1966 a gravar os instrumentais de cada canção em estúdios de Los Angeles, juntando um elenco de notáveis músicos, e com uma ideia fixa em mente: a de conseguir o som de Phil Spector, cuja técnica “wall of sound” o músico procurou usar em favor das suas canções. À técnica e ciência somou-se, ainda, saudável loucura e vontade de experimentar. Em Caroline No ouve-se o cão de Wilson (daí, depois, a ideia para o próprio título do álbum). Em Pet Sounds Brian usou uma lata de Coca Cola para sugerir o ritmo. Em I Just Wasn’t Made For These Times nota-se aquela que poderá ter sido a primeira utilização de um theremin em regime pop.
Ao regressarem da digressão, os restantes membros dos Beach Boys depararam com canções que nunca haviam escutado, formas diferentes e ideias invulgares para o que, até então, era o seu livro de estilo. A resistência à novidade foi evidente, mas desta vez Brian não cedeu, e acabou por levar avante a sua ideia. Seguiram-se longas e exigentes sessões de gravação das vozes, durante as quais o compositor não permitiu a mais pequena imperfeição nos jogos de harmonia, concluindo todas as canções menos duas, que optou por deixar apenas como instrumentais. Outra decisão de última hora afastou do alinhamento final uma outra canção na qual Brian começara a trabalhar, e para a qual sentiu que precisava de mais tempo em estúdio: Good Vibrations.
Frente a uma mesa de gravação com oito pistas (a única então existente em Los Angeles, no estúdio da Columbia), misturando em directo durante a gravação, Brian comandou com pulso firme a construção da sua visão. Tal como Phil Spector, Brian fez a mistura final em mono. A rádio e televisão emitiam em mono, os rádios dos carros e a maioria dos gira-discos eram mono. E o próprio Brian, surdo de um ouvido (diz-se que por resultado de uma violenta bofetada do pai quando tinha dois anos), certamente dominava o mono, não o estéreo.


Em Abril o disco foi mostrado à editora, mostrando os executivos algum cepticismo (leia-se falta de entusiasmo) pelo som novo do grupo. Como single de avanço foi escolhido o tema Caroline No, o single todavia apenas creditado a Brian Wilson, não ultrapassando o número 32 na tabela de vendas. Melhores prestações tiveram os seguintes 45 rotações. Sloop John B foi número 3 nos EUA e número 3 no Reino Unido. Wouldn’t It Be Nice subiu ao número oito na América e o seu lado B, God Only Knows, somou mais um segundo lugar em Inglaterra. Reeditado nos Estados Unidos, este último single não fez melhor que um discreto número 39. Balanço final claramente mais positivo na Europa que nos Estados Unidos, com o álbum a chegar a número dois em Londres e a aí ganhar expressivos aplausos da crítica, da própria editora local, e até mesmo dos músicos, Paul McCartney falando pouco depois, publicamente, da importância que Pet Sounds acabaria por ter na música dos Beatles. (*)

Discos Voadores. De regresso de férias, este fim de semana recordam-se os 40 anos de Pet Sounds na Radar (sábado pelas 18.00, repetindo domingo às 22.00). Como aperitivo, o teledisco original de Wouldn't It Be Nice, em puro regime de tele-pop-inocência.

(*) Excerto de texto publicado na edição de 25 de Agosto da revista '6ª'

sábado, agosto 26, 2006

My October Symphony


Os Pet Shop Boys têm agenda cheia para o mês de Outubro, devendo lançar, na última semana do mês, um disco ao vivo, um DVD e um livro, todos eles sem relação directa entre si.
O disco, Concert, é o primeiro registo áudio ao vivo do grupo e corresponde à gravação integral do espectáculo único que teve lugar no Mermaid Theatre, em Londres, a 8 de Maio, palco que juntou aos Pet Shop Boys uma orquestra de 60 elementos, músicos como Trevor Horn e Anne Dudley e as vozes convidadas de Rufus Wainwright (que cantou Casanova In Hell), Robbie Williams (em Jealousy), Frances Barber (em Friendly Fire) e ainda a cantora lírica Sally Bradshaw. O alinhamento de Concert deverá seguir, à risca, o do espectáculo: Left To My Own Devices (versão longa), Rent, You Only Tell Me You Love Me When You’re Drunk, Sodom And Gomorrah Show, Casanova In Hell, After All, Friendly Fire, Integral, Numb, It’s Alright, Luna Park, Nothing Has Been Proved, Jealousy, Dreaming Of The Queen, It’s A Sin, Indefinite Love To Remain e West End Girls.
O DVD, Pet Shop Boys: A Life In Pop, não é mais que uma versão longa de um documentário que o Channel 4 britânico exibiu em Maio deste ano. Inclui entrevistas a Neil Tennant e Chris Lowe, bem como a outras figuras, entre as quais, Brandon Flowers, Jake Shears, Trevor Horn ou Robbie Williams.
O livro, Pet Shop Boys: Catalogue, a editar pela prestigiada Thames & Hudson, não é mais que um olhar tão completo quanto possível pela obra visual do grupo, das capas dos discos e telediscos aos cenários dos concertos ao vivo. Inclui 1995 ilustrações e entrevistas com alguns dos designers, fotógrafos e realizadores que trabalharam já com os Pet Shop Boys, entre os quais Bruce Webber, Derek Jarman ou Martin Parr. O livro inclui ainda uma entrevista de Neil Tennant e Chris Lowe a Chris Heath sobre a importância da imagem na sua obra. Não faltará uma cronologia detalhada dos Pet Shop Boys e uma discografia completa.
Como complemento, aqui fica o teledisco sistematicamente “esquecido” dos Pet Shop Boys. Nem consta do DVD PopArt, nem a canção surge no CD com o mesmo título. No entanto, este foi um single editado em 1993 pelos Pet Shop Boys, em conjunto com Jennifer Saunders e Joanna Lumley (ou seja, a parelha AbFab) para uma campanha comic relief. Título da canção? Absolutley Fabulous, claro.

Leituras em férias

O que se faz em férias? Passeia-se a pé (muito), de iPod nas orelhas a debitar tudo menos os discos do momento (Satie, Schubert, Glass, Debussy, para zonas tranquilas, Sonic Youth ou Neutral Milk Hotel para espevitar). E lê-se (muito). Das leituras de férias destaco, para já, quatro títulos (todos eles lançados este ano entre nós, excepção para Paul Auster):

Haruki Murakami “Kafka À Beira Mar” O livro do ano (até ler melhor…). Duas histórias distintas convergem para um lugar e algo em comum… Numa temos por protagonista um jovem de 15 anos que foge de casa e de um pai escultor sempre ausente (a mãe há muito desaparecida e sem deixar rasto nem rosto). Na outra, um homem de 70 anos que, vítima de um bizarro incidente nos dias da guerra, perdeu a capacidade de ler e fixar memórias complexas; em contrapartida ganhou a capacidade de falar com… gatos. O jovem e o ancião encaminham-se, cada qual em demanda própria, para uma cidade longe do bairro de Tóquio onde habitualmente residem, em busca de respostas e revelações. A escrita de Murakami é pura delícia. Escorreita, agarra pela facilidade de nos envolver nas imagens. E revela uma imaginação transbordante que nos faz devorar as quase 600 páginas num ápice. Nota para a tradução, de excepção, com frequentes notas que nos familiarizam com expressões, nomes, factos e sabores da cultura japonesa.

John Banville “O Mar” O justificadíssimo Booker do ano passado é um jogo de memórias de uma pequena cidade à beira-mar, onde o passado distante e o mais próximo se cruzam sem que fronteiras sejam necessárias para os demarcar. A construção meticulosa da teia de imagens e figuras evocadas na escrita bela e delicada de John Banville faz de O Mar um prazer de descoberta de personagens e de um lugar onde pouco hoje acontece (acabaremos por descobrir que algo mais em tempos se sucedeu). No tutano do livro corre a demanda de um homem adulto pelo sentido das mortes a que assistiu em jovem, assim como da mais recente perda da sua mulher. As recordações da pequena cidade onde em tempos passou um Verão e a tentativa de reconciliação com a dor que esse passado convoca, na voz interior de um historiador a braços com uma monografia sobre Bonnard, da qual não passou ainda do capítulo de introdução.

Paul Auster “A Noite do Oráculo” Um livro já de 2004 que confirma a capacidade do autor na criação de viciantes histórias com personagens de gente comum na Nova Iorque de hoje. Na verdade três histórias acontecem neste livro. Uma história dentro de uma história dentro de uma outra história… Ou, para simplificar, a história de um escritor que sai de longa hospitalização e que compra um caderno português (uma velha sebenta azul?) no qual ensaia uma tentativa de novela sobre um editor livreiro que decide mudar a vida por impulsos ditados por coincidências e acaba fechado num bunker amador envolto numa colecção de listas lelefónicas… Na sua mala, o editor traz outra história, mais concretamente a de um romance perdido de uma escritora falecida de cujo catálogo é responsável… Lê-se de um trago…

Joe Haldeman “O Velho Século XX” Mais um título deste autor de ficção científica (um dos mais premiados entre a sua geração) publicado pela série Nébula, coloca-nos num futuro não muito distante no qual mais de 90 por cento da humanidade foi vítima de uma guerra levantada na sequência da descoberta de um fármaco que confere a imortalidade, os mais pobres e desfavorecidos entretanto revoltados contra ricos e poderosos, os únicos com acesso à pílula da vida eterna. Nesse futuro a população da Terra não pode exceder nunca o bilião, pelo que qualquer nascimento só é permitido após eventual morte (apenas possível por acidente grave). O Sistema Solar está explorado, parte dele povoado, quando uma observação regista um mundo com condições semelhantes às da Terra. Uma missão, cuja viagem durará mil anos, parte em cinco naves, com um total de 800 passageiros, imortais, rumo ao desconhecido. A bordo há espaço para todas as tarefas e momentos de entretenimento, o mais popular e requisitado dos quais uma máquina de realidade virtual que induz, com impressionante poder de sugestão sensorial, viagens a anos do século XX. Um prazer disputado, com marcações a meses de distância, que se transforma num debate aceso quando alguns dos seus utilizadores começam a morrer…

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'Voo 93' (uma outra leitura)

Cinco anos depois, cicatrizes ainda abertas, uma Guerra equívoca, mal gerida, e de alvos entretanto desnorteados em banho-maria (e sem sinais de abrandamento), o 11 de Setembro chega ao cinema. Na verdade, já chegou há algum tempo, notas discretas, mas relevantes, das presenças (ou ausências) das Torres Gémeas bem notadas em filmes como a 25ª Hora de Spike Lee ou o mais recente Munique de Steven Spielberg. Todavia, Voo 93 é o primeiro filme a tocar na ferida aberta. Não é um monumento de cinema, mas também o não quer (nem tem) de ser. É, em primeiro lugar, uma antecâmara para o que há de vir. Uma primeira abordagem a um episódio doloroso e de abordagem sensível, com todas as características de filme-catárse.
Ficção? Não, Voo 93 não é uma ficção. É uma tentativa de reconstituição (um docudrama, talvez), tão fiel quanto possível, dos factos que se viveram nessa manhã de há cinco anos entre a cabina de um avião desviado e os centros de controlo aeronáutico (civil e militar) de uma América afinal não preparada para o pior. A equipa de produção socorreu-se das últimas chamadas telefónicas dos passageiros, dos registos de voo, dos factos, e a eles se fixou. Ponto final. Personagens? Não, Voo 93 não é um filme de personagens, antes, um aglomerado de meros figurantes. Limita-se a colocar-nos perante anónimos que se cruzaram numa manhã de Setembro e deles mais não mostra (nem deve mostrar) que o presente, o instante. O anonimato que só os noticiários transformaram em algo que nenhum deles esperava.
A verosimilhança que se procurou em Voo 93 não deseja maior profundidade dramática, não ensaia a ficção onde a demanda pede um realismo quase de registo noticioso… Paul Greengrass resistiu depois à tentação de cantar como heróis as vítimas do despenhamento do único voo que falhou o alvo (segundo o filme, o Capitólio). Mostra-as antes como as primeiras figuras de acção do pós-11 de Setembro, confrontadas com uma morte inevitável, decididas apenas a evitar que mais vidas fossem ceifadas. O sentido realista do filme não cede também perante os excessos barrocos do filme-catástrofe (nos quais o herói, nem que um apenas, sobrevive depois de física e mentalmente posto à prova). Em suma, Voo 93 abre sóbria e inteligentemente um arquivo que a memória não vai esquecer. Depois da realidade, venha a ficção.

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Cuba, Março 2006

Notabilíssimo portfolio sobre Cuba, com a chancela da agência Magnum — são 39 fotografias assinadas por Thomas Dworzak e obtidas em Março de 2006; título: O futuro incerto de Cuba.

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Todd Field, cineasta

Todd Field. Lembram-se? É ele que, na obra-prima final de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados/Eyes Wide Shut (1999), toca piano e passa a Tom Cruise a senha de uma festa que, insolitamente, lhe vai reabrir as portas do seu próprio casamento. Vêmo-lo aqui durante a rodagem de Little Children, a sua segunda longa-metragem — a primeira, Vidas Privadas/In the Bedroom (2001), com Tom Wilkinson, Sissy Spacek, Nick Stahl e Marisa Tomei, era um espantoso exercício sobre os mecanismos internos de uma família e, sobretudo, de uma certa ideia de família. Com Kate Winslet, Jennifer Connelly e Patrick Wilson, Little Children tem lançamento americano em Outubro e a boa notícia é que já está adquirido para Portugal (estreia anunciada para 23 de Novembro). No site oficial do filme podemos descobrir o fabuloso trailer: não apenas um "filme-anúncio", mas um exercício brilhante, sugestivo, envolvente — vale a pena ver.

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Stones + Shuffle + 1986

Porque a história das coisas, mesmo as aparentemente mais próxi-mas e "modernas", não começou no Inverno passado... talvez valha a pena, de vez em quando, um pequeno exercício de (re)localização. Por exemplo, das relações entre música e desenhos animados. Mesmo sem recuarmos ao "Submarino Amarelo" em que os Beatles embarcaram ainda na década de 1960, poderá ser estimulante rever um enérgico teledisco dos Rolling Stones: Harlem Shuffle, do álbum Dirty Work (1986). Se a televisão nos consegue fazer esquecer as notícias da semana passada, que dizer do que aconteceu há apenas 20 anos...



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O que a RTP pensa de nós

O CONTEXTO. Digamos que o concurso A Herança, trans-mitido diariamente pela RTP1, não é um primor de concepção. Nele encontramos essa jurás-sica noção de cultura "geral" que confunde o conhecimento com o débito das datas de acontecimentos por vezes de importância mais que discutível, ou ainda com a celebração dos nomes latinos de simpáticos vermes ou animais em extinção. Seja como for, importa também dizer que, face à festiva degradação dos padrões globais de programação da televisão pública, A Herança faz figura de banalidade limpa e, por vezes, estimulante para os neurónios. Afinal de contas, estamos a falar da mesma televisão que, ontem, dia 25 de Agosto de 2006, achou por bem abrir o seu Telejornal das 21h45 (logo após a transmissão do jogo de futebol Barcelona-Sevilha) com a proclamação do CAOS — onde? No futebol português. Foram mais de 5 minutos de devota preocupação com as recentes atribulações legais do nosso admirável futebol, certamente vitais para compreendermos o destino do planeta, sobretudo face a coisas anedóticas como o envolvimento da União Europeia na força de paz no Líbano...

A IDEOLOGIA. Dito isto, há que dizer também que A Herança multiplica até ao delírio mais pornográfico (sim, se for caso disso, podemos discutir o conceito formal de pornografia) essa ideologia dos tempos correntes que é o paternalismo televisivo. Em que consiste? Por um lado, na infantilização grosseira de toda a gente — desde os concorrentes aos assistentes, passando pelos espectadores caseiros —, a ponto de, por vezes, não se perceber se nos encaram como crianças desgraçadamente estúpidas ou como patéticos atrasados mentais; por outro lado, na generalização forçada de um conceito "familiar" onde toda a gente é tratada como emanação (involuntária) de uma noção pré-salazarista de família e onde, mesmo um concorrente adulto-mesmo-adulto, desde que venha acompanhado por um familiar mais idoso, corre o risco de ser tratado como um menino traquinas que apareceu na RTP de bibe e chupeta ao pescoço. É, de facto, admirável o rol de ideias medíocres e sentimentos conformistas que se proclamam e põem a circular em nome do "entertenimento" e da "boa disposição".

O SISTEMA. Confesso que, durante algum tempo, atribuí a principal responsabilidade de tão deprimente aparato emocional e espectacular ao primeiro apresentador (José Carlos Malato) do concurso e aos efeitos do seu estilo superficial, a meu ver formalmente muito pobre e maniqueísta em termos comunicacionais. Mas não: agora que o concurso tem sido conduzido por uma apresentadora (Tânia Ribas de Oliveira), as coisas mantêm-se rigorosamente na mesma. Que é como quem diz: há, de facto, um sistema de apresentação e, sobretudo, de representação daquilo que é a televisão e são os espectadores. Trata-se de um sistema que favorece essa ideia forte (?) segundo a qual somos todos pessoas que sentem, pensam e reagem como crianças encurraladas, temerosas de tudo o que nos possa interrogar ou desafiar. Na verdade, não poderia haver método mais esclarecedor sobre o modo como a RTP encara quem a contempla — podemos ser até religiosamente benevolentes no nosso olhar, mas não há nada a fazer: a nossa televisão não nos toma a sério.

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Pearl Jam, 1991

Numa preciosidade do álbum Ten (1991) — Oceans —, eis um teledis-co de uma banda conhecida por não gostar de fazer... telediscos. A aspereza romântica de Eddie Vedder e seus companheiros é feita desta fidelidade perversa às raízes do rock mais primitivo. Entretanto, a 4 e 5 de Setembro, o Pavilhão Atlântico vai recebê-los.



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10 telediscos de Fiona Apple...

... Ou como se prova que, por vezes, a-queles — ou aquelas — que menos asso-ciamos a um con-ceito estético & co-mercial de imagem e a uma noção espe-cífica de identidade mediática, de facto possuem um signi-ficativo volume de trabalho (uma obra?) também no campo dos telediscos. Fiona Apple, por exemplo, autora e intérprete de belíssimas canções de mágoa e redenção, senhora de uma voz de paradoxal transparência e teatralidade — delas podemos ver nada mais nada menos que 10 telediscos, todos disponíveis no seu site oficial, repartidos pela sua curta, mas invulgar, obra discográfica: Tidal (1996), When the Pawn... (1999) e o extraordinário Extraordinary Machine (2005). Deste último álbum existem três clips: Not About Love, uma pequena ficção (anti-)romântica jogando com um perverso playback; O' Sailor, com curiosas referências aos musicais de Busby Berkeley; e ainda um registo ao vivo de Parting Gift.

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quinta-feira, agosto 24, 2006

Como filmar o 11 de Setembro?

Será que faz sentido perguntar: se tirássemos o "Rosebud" ao Citizen Kane, de Welles, o que é que restava? Sentido não faz. Mas é um facto que o filme resiste a tudo, até mesmo a banais perguntas de algibeira. Por isso, atrevo-me a perguntar: se tirarmos o "11 de Setembro" a Voo 93 (no original: United 93), que resta? Quase nada, digo eu.
Em todo o caso, é isso que o filme de Paul Greengrass insistentemente nos pede (inclusivé através do cuidado pedagógico com que foi lançado nos EUA). Ou seja: que o vejamos como uma ficção de "abertura" para a abordagem dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, nessa medida desempenhando uma inevitável função catártica — trata-se, afinal, de rasgar caminhos para que o cinema não se esqueça de um trauma que, obviamente, cinco anos de história dos EUA e do mundo não apagaram.
Repare-se: não está em causa que os filmes (ou qualquer outra forma de ficção) se envolvam com os factos mais dolorosos, complexos ou controversos da nossa contemporaneidade — neste caso, trata-se de evocar o 11 de Setembro a partir da tragédia do "quarto avião", cujos passageiros conseguiram resistir aos terroristas, desviando o avião do seu alvo (Washington e, provavelmente, a Casa Branca) e levando-o a despenhar-se na Pensilvânia. O que está em causa, isso sim, é que tais factos surjam investidos, menos como problemas de representação fílmica, e mais como cauções que tendem a "purificar" automaticamente o próprio labor ficcional. Dito de outro modo: Voo 93 começa por possuir a linearidade acomodada de um vulgaríssimo telefilme. As personagens não existem, a não ser como espectros bidimensionais de uma "intriga" que o próprio filme se limita a confirmar como verídica. Depois, a evolução dos acontecimentos obedece menos a um qualquer ponto de vista activo e mais a uma reprodução dos mecanismos mais simplistas do tradicional "filme-catástrofe".
Na prática, Voo 93 é um esclarecedor sintoma do conformismo ficcional que os modelos dominantes de televisão (entre nós, a telenovela) conseguiram impor por toda a parte. Tal conformismo enraíza-se na ideia de que os factos são uma espécie de nó inamovível do real — se as coisas aconteceram "assim", então a ficção deve aquietar-se na cega repetição desse "assim" e da sua lei simbólica de reconhecimento. Paradoxalmente, semelhante dispositivo retira aos espectadores exactamente aquilo que proclama como a sua oferta essencial: um ponto de vista, seja ele qual for, sobre aquilo que narra.
* Que é um ponto de vista? Não uma divisão confortável do "bem" e do "mal". Não uma fronteira segura entre "verdade" e "mentira". Antes a construção de uma visão que nos faça sentir que o conhecimento de um facto, seja ele qual for, não é algo que se "reproduza", mas o resultado de um labor multifacetado, por vezes árduo, com as muitas facetas de qualquer real. Tal como existe, Voo 93 exibe a agitação aparente de um thriller (ou de um thriller aparente), mas também a inanidade festiva de um telejornal feito sobre a ilusão de que nele se reflecte a luz divina do conhecimento.

Como será o "outro" filme sobre o 11 de Setembro? Ou seja: que diferenças existirão entre Voo 93 e World Trade Center, de Oliver Stone (estreia portuguesa: 21 de Setembro)? Para já, vale a pena conhecer algo da agitação mediática e ideológica que tem enquadrado o filme nos EUA, por exemplo através de um artigo do jornal britânico The Independent. Ou ainda escutar as palavras do próprio Stone, em entrevista a Debbie Elliott, na rádio pública americana, NPR.

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quarta-feira, agosto 23, 2006

Sons da Serra Leoa

O nome: Sierra Leone's Refugee All Stars. As histórias dos seus elementos têm um capítulo comum: todos eles são refugiados da guerra civil na Serra Leoa. Conheceram-se na República da Guiné, que os acolheu. Aí, num campo de refugiados, começaram a cantar, "usando instrumentos simples para trazer alegria às pessoas". Agora, os Sierra Leone's Refugee All Stars gravaram um disco, a ser lançado brevemente nos EUA. Um dos temas do álbum pode ser ouvido no site da organização humanitária ONE. A banda tornou-se conhecida dos espectadores americanos através de um filme, The Refugee All Stars, vencedor do prémio da secção documental da última edição do Festival de Los Angeles, em Novembro de 2005.

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Boston, Alemanha

Têm nome germanófilo, mas são de Boston. The Dresden Dolls são dois. Ela, Amanda Palmer, compõe belíssimas canções que, mesmo contaminadas por uma crueza pós-punk-chic, ma non troppo, têm sempre como fascinante ponto de fuga o som primitivo do cabaret alemão. Canta ainda, a mesma dotada Amanda, em tom que pode ir do romantismo mais dorido ao puro sarcasmo. Ele chama-se Brian Viglione, é baterista e segue-a com a alegria de um transparente casamento artístico. São versáteis, inventivos, desconcertantes, não só nos instrumentos — ela no piano, ele também no baixo —, mas ainda na concepção/execução das suas canções muito teatrais. Basta escutar o seu brilhante segundo álbum: Yes, Virginia...
Aliás, podemos ouvi-los e vê-los no seu magnífico site, uma esclarecedora amostra de como é possível conceber um espaço de divulgação como uma deliciosa paisagem de muitas referências da memória e iconografia populares. Para aperitivo, ficam os versos de abertura do tema Necessary Evil. Assim: "Let's get lost / Fingers crossed / It is an ordinary evening / I am broadcasting, are you receiving?"

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Há 80 mil anos...

É, seguramente, um dos mais bizarros de-safios cinematográficos que se possa imaginar: elaborar o retrato dos homens pré-históricos (ou da pré-história dos homens) nesse momento emblemático — calcula-se que há 80 mil anos — em que se dá a descoberta do fogo e, mais do que isso, a sua integração nas relações e estruturas humanas. O francês Jean-Jacques Annaud dirigiu A Guerra do Fogo (DVD: Costa do Castelo) em 1981, portanto há 25 anos, mas é um facto que o seu filme não perdeu nada dos seus efeitos desconcertantes e, em muitos aspectos, perturbantes. Assistimos, afinal, à eclosão de novas formas de organização do quotidiano que são também novos mecanismos de influência e poder de uns seres humanos sobre outros seres humanos. Mais do que isso: estamos perante o nascimento de um sistema de relações com os elementos naturais que, em boa verdade, continha também as sementes de uma nova concepção da natureza e do seu envolvimento com o factor humano. Dir-se-ia que, se fosse possível imaginar um documentário feito há 80 mil anos, esse documentário teria esta forma de... ficção.

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A IMAGEM: Gehrard Richter, 1994

Rosas, 1994 (óleo sobre tela)
GEHRARD RICHTER

terça-feira, agosto 22, 2006

Pop

Como aqui se escreveu, Madonna estaria sob observação no seu concerto de 20 de Agosto na cidade de Dusseldorf. Convém, por isso, não alimentar especulações, evitando favorecer esse estilo de informação (?) que faz grande alarido com "antecipações" catastrofistas dos dramas mais graves ou apenas dos incidentes mais benignos e, depois, pura e simplesmente, nunca mais volta ao assunto... Acrescentemos, então, que as autoridades alemãs se limitaram a... observar, considerando, por fim, não haver "matéria criminal" no espectáculo de Madonna — cortesia do site Madonnalicious, aqui fica, então, uma foto de Madonna em Dusseldorf (autor: Jean-Baptiste).

Que aconteceu, então? Em boa verdade, Madonna limita-se a encenar/pensar/repensar o que há mais de 20 anos sabe fazer como ninguém: expor os sinais do mundo no seu relativismo simbólico, demonstrando que é possível imaginar novos arranjos para a sua coexistência. Não chega para mudar o mundo? Não. Mas é um modo de dizer que o mundo não está parado. E uma maneira de não escolher o silêncio. O pop é também uma filosofia das imagens e uma forma de inteligência iconográfica. Viva Dusseldorf!

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Joe Rosenthal (1911-2006)

Joe Rosenthal foi o autor de uma das mais célebres fotografias da Segunda Guerra Mundial, obtida a 23 de Fevereiro de 1945, na ilha de Iwo Jima, ao largo do Japão, depois da sua tomada pelas tropas norte-americanas — nela se pode ver um grupo de soldados americanos, no topo do Monte Suribachi, erguendo a bandeira dos EUA; a imagem, que deu a Rosenthal um Prémio Pulitzer, transformou-se num ícone nacional e num símbolo de unidade e resistência, a ponto de ter servido de modelo para a escultura do Iwo Jima Memorial, junto ao cemitério de Arlington (Virginia), que evoca os soldados que perderam a vida naquela campanha final da Segunda Guerra Mundial. Em 1999, num inquérito promovido pela Universidade de Nova Iorque, a fotografia de Rosenthal foi citada em 68º lugar numa lista dos 100 melhores exemplos de jornalismo do século XX. Joe Rosenthal faleceu no dia 20 de Agosto, contava 94 anos.
***
Por uma ironia cruel, a morte de Joe Rosenthal ocorreu apenas dois meses antes da estreia de um filme que irá conferir uma nova forma de visibilidade ao seu mais célebre trabalho fotográfico. De facto, para Flags of Our Fathers — evocação dos combates de Iwo Jima com estreia americana marcada para 20 de Outubro (Portugal: 28 de Dezembro) —, Clint Eastwood apostou na reinvenção iconográfica da imagem de Rosenthal, nomeadamente no cartaz do filme.
Flags of Our Fathers é a primeira parte de um díptico de Clint Eastwood — que o próprio produz em associação com Steven Spielberg — sobre os soldados americanos e japoneses naquele período da Segunda Guerra Mundial que terminaria com o rendimento do Japão, a 15 de Agosto de 1945, depois do lançamento de duas bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki; a segunda parte, Letters from Iwo Jima, deverá estrear em Dezembro, nos EUA — o respectivo trailer já pode ser visto no site japonês da Warner Bros.

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sábado, agosto 19, 2006

"Wholphin": em DVD e também na Net

Spike Jonze fez uma curta-metragem sobre Al Gore, para a respectiva campanha presi-dencial, no ano 2000? O que é Are You The Favorite Person Of Anybody?, escrito por Miranda July e dirigido por Miguel Arteta? E o que se vê nos 91 segundos de David & Mamet, uma realização de Alex Rose?
As respostas estão na Wholphin, publicação trimestral que a si própria se designa como "uma revista de DVD sobre os filmes que não são vistos", quer dizer, contendo um DVD com esses filmes. Alguns deles, incluindo os três citados, podem ser vistos no site da Wholphin, da qual já saíram dois números, referentes ao Inverno 2005/6 e à Primavera 2006. A publicação está ligada à editora McSweeney's que, entre livros e revistas, publica o jornal mensal The Believer (a última edição contém uma entrevista com Steven Soderbergh).

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+ Godard

Já aqui demos conta da exposição de Jean-Luc Godard — "Viagem(ns) na utopia, Jean-Luc Godard, 1946-2006" — que esteve patente em Paris, no Centro Pompidou. Vale a pena percorrer o magnífico ensaio descritivo (incluindo uma esclarecedora planta) publicado no Senses of Cinema, com assinatura de Alex Munt. Uma pergunta a reter: qual o lugar das imagens em movimento na cultura digital? À suivre.

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Exercício sobre a velocidade

Não será que andamos já todos (enfim, sem ofensa: quase todos...) cansados dos telediscos de hip hop que confundem ritmo, emoção e narrativa com a caótica multiplicação de planos? Não será tempo de, serenamente, lembrar pela milionésima vez que a "aceleração" dos tempos narrativos nada produz se menosprezar esse imaculado valor que é a duração? E que a "velocidade" das imagens não é nenhuma garantia de qualquer tipo de intensidade? Faz-nos falta, afinal de contas, algum amor pela possibilidade de uma imagem se combinar com outra, não para gerar a ilusão de que se vai muito "depressa", antes para construir algo de novo: one+one, como diria Monsieur Godard. Regressemos, então, a algo de cristalino. Voltemos a ver uma pequena pérola em que a vertiginosa montagem de muitos planos (por vezes, de brevíssima duração) se faz a partir de um dispositivo de sábia criação de ritmos e contrastes e também, claro, de perverso envolvimento com o que se vai ouvindo. A saber: David Bowie em Hallo Spaceboy Remix, versão resultante de uma fascinante colaboração com os Pet Shop Boys a partir de um tema original do álbum Outside (1995). A realização é de David Mallet. E se é para andar depressa, ao menos que aconteça alguma coisa...

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Robert Redford celebra 70 anos

A propósito de Robert Redford, é quase inevitável passar por dois equívocos clássicos: o primeiro é o de que a sua condição de vedeta o "dispensou" de qualquer capacidade de representação; o segundo (decorrente do primeiro, como é óbvio) reduz a sua contribuição para o cinema a uma banal "repetição" da imagem de jovem sedutor.
Vale a pena começar por desmentir o segundo equívoco. E a partir de um dado muito objectivo: hoje, 18 de Agosto de 2006, Charles Robert Redford Jr. completa 70 anos, dos quais quase meio século de uma carreira que o levou da televisão ao cinema, da representação à realização, da produção à criação do Instituto Sundance, em 1980, entidade fundamental no desenvolvimento de um conceito vital de produção independente, responsável por um já lendário festival de cinema.
Sobre a arte de representar de Redford, o mínimo que se pode dizer é que ele é um invulgar... minimalista. Surgido numa época de plena afirmação dos modelos do Actors Studio (Robert De Niro, Steve McQueen, Paul Newman, etc.), Redford distingue-se nos seus melhores papéis por uma frieza metódica (apetece dizer: "britânica") que o impõe como um genial cartógrafo das mais discretas vibrações da alma humana. Recordemos, na fase inicial da sua carreira: The Chase/Perseguição Impiedosa (1966), de Arthur Penn, This Property Is Condemned/A Flor à Beira do Pântano (1966), de Sydney Pollack, e sobretudo o genial O Vale do Fugitivo/Tell Them Willie Boy Is Here (1969), um dos grandes westerns terminiais dos anos 60/70 dirigido por Abraham Polonsky.
Daí que seja importante sublinhar também que o trabalho de Redford como realizador está longe de se restringir a um "prolongamento" mais ou menos decorativo do seu sucesso como actor. Desde logo, porque se estreou com um subtil ensaio sobre a decomposição moral e afectiva da matriz clássica da família: Ordinary People/Gente Vulgar (1980). Depois, porque na sua filmografia se inclui um belíssimo requiem por um certo conceito, também ele clássico, da natureza — A River Runs Through It (1992), infelizmente nunca lançado nas salas portuguesas (existe uma edição em DVD com o título Duas Vidas e o Rio) — e ainda aquele que é, muito provavelmente, o filme mais brilhante que já se fez sobre os mecanismos de manipulação afectiva e ideológica que a televisão pode pôr em marcha: Quiz Show (1994).
Actualmente, Redford prepara um novo filme, na tripla condição de actor/realizador/produtor: chamar-se-á Aloft e baseia-se nos estudos de Alan Tennant sobre as condições de vida do falcão peregrino — o lançamento está previsto para 2007.

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sexta-feira, agosto 18, 2006

Bob Dylan: álbum nº 44

* No dia 28, é editado o 44º álbum de Bob Dylan: Modern Times — título chaplinesco, capa com uma imagem a preto e branco.
* A estreia planetária vai acontecer na XM Satellite Radio (dia 27, meia-noite em Nova Iorque), a mesma rádio onde Dylan mantém, há algum tempo, um programa de músicas e memórias.
* Para já, pouca gente ouviu Modern Times. Uma excepção é Paul Morley, do jornal britânico The Observer.
* A BBC teve acesso a uma das faixas do álbum, tendo convidado um painel de jornalistas para a comentar.
* O álbum está disponível nas pré-compras de muitas lojas online. Na Amazon.com, a página referente a Modern Times disponibiliza o teledisco (espantoso plano fixo!) de uma magnífica gravação ao vivo de um tema do álbum Time Out of Mind (1997): Cold Irons Bound.

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quinta-feira, agosto 17, 2006

Lírico & burlesco


A poucas semanas do lançamento do extradordinário I Let the Music Speak (Deutsche Grammophon), com canções dos Abba, podemos ouvir — e ver! — a sublime Anne Sofie von Otter na ária "Ah! Quel Dîner", de La Périchole, de Jacques Offenbach (1819-1880) — ou como o canto lírico não é alheio ao burlesco.

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The Knife "Marble House"



Marble House é um dos singles já extraídos do álbum dos The Knife Silent Shout, um dos mais sérios candidatos a disco do ano 2006. Com este teledisco o Sound + Vision adere à era YouTube.

"The Departed": cartaz e trailer 1b

Já há site para o novo filme de Martin Scorsese, The Departed, com Jack Nicholson, Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Mark Wahlberg. Este é o cartaz. A versão ligeiramente remontada do trailer original pode ser vista em alta definição no site da Apple, sob a designação 1b. A estreia americana é a 6 de Outubro; às salas portuguesas chega a 9 de Novembro — contem os dias.

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quarta-feira, agosto 16, 2006

Spike Lee em Nova Orleães

Está pronto o documentário de Spike Lee sobre os efeitos do furacão Katrina em Nova Orleães. Chama-se When the Levees Broke: A Requiem in Four Acts (à letra: "Quando os diques rebentaram: um requiem em quatro actos"), é uma produção da HBO e vai ser transmitido por esta estação americana nos dias 21 (I/II partes) e 22 de Agosto (II/IV partes) — no dia 29 de Agosto, data do primeiro aniversário do furacão, a HBO repete o filme na íntegra. When the Levees Broke resulta de uma rodagem repartida por nove viagens a Nova Orleães e mais de uma centena de entrevistas. A música é de Terence Blanchard, natural de Nova Orleães e colaborador habitual do cineasta. Para a Newsweek, trata-se do trabalho mais importante de toda a carreira de Spike Lee.
* Será que algum canal português de televisão se interessará por este objecto? E, em caso afirmativo, esse mesmo canal será capaz de o exibir antes das duas da madrugada?... As perguntas são mal intencionadas? Não. Apenas a realidade dos factos favorece todos os pessimismos.

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Daddy Cool

O cinema chinês começa a mostrar interessantes sinais de “liberdade” no olhar pela história do seu passado recente, levantando não só cenários políticos e sociais, como inclusivamente subtextos sexuais, e Sonhar Com Xangai é um dos mais recomendáveis exemplos dessa fundamental análise colectiva na primeira pessoa. Com uma respiração de realismo que lembra o igualmente espantoso A Bicicleta de Pequim (também de Xiaoshuai Wang, em 2001), esta é a história de uma família forçada a abandonar a cidade de Xangai para uma vida numa aldeia remota do interior, mudança que forçou inúmeros agregados familiares como este a uma deslocação em massa, ordenada pelo poder central.
Família proletária, os seus dias vivem como pêndulos, entre o trabalho (ou a escola) e a casa (e mais rotineiras tarefas). Os dois filhos adolescentes crescem silenciosos e esmagados pela presença de um duplo sistema repressivo: o do estado, implacável, imutável, verdades e consequências ditadas pelo partido; o da família, arcaico, sem resposta permitida, intolerante e intransigente, verdades e consequências aqui ditadas pelo pai (mesmo que comentadas por uma mãe insatisfeita com o excesso de uma severidade que não procura senão garantir a entrada na universidade da filha mais velha). Sublinhe-se aqui o facto de estarmos sobretudo a acompanhar uma família em cuja casa mora um cepticismo face ao partido, à ideologia dominante. Ouvem a Voz da América, juntam-se com colegas para discutir saídas possíveis para esta descentralização forçada que lhes roubou a vida que conheciam na cidade…
Mas há momentos de fuga. Sobretudo de noite, em barracos afastados da curiosidade paternal, juntando-se rapazes e raparigas, eles de calça boca-de-sino (proibida na escola), cabelo apanhado com gel (ou água) e óculos escuros, pose à Travolta; elas de fato domingueiro, penteadas, sem esquecer o batôn… Ser cool, nesta China rural de 1983 é fingir que se parece com um ocidental, dançando eles passos de “pintas” ao som dos Boney M, elas envergonhadas em roda à volta da improvisada pista de dança.
Mas estes são prazeres secretos, que convém que não cheguem ao conhecimento nem dos pais nem das autoridades. Estamos, afinal, numa terra e tempo em que uma gravidez se paga com o casamento, uma violação com a morte. E onde o sonho é o único escape possível.
Sonhar Com Xangai, que estreia esta semana, é um dos mais recomendáveis motivos para ir ao cinema este mês. Um filme sem muitos sorrisos, de cores pardas, mortas, como a vida da aldeia (contraste único num par de sapatos que um jovem operário oferece à filha mais velha da família acima referida). É um filme de bela fotografia, de dor tão contida, mas real, como a que se imagina (e tão bem aqui retrata). Imperdível!

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Sob observação

Interessante. De acordo com notícias do dia (ver, por exemplo, o IMDb), as "autoridades germânicas" vão estar atentas ao concerto de Madonna, dia 20, em Dusseldorf (Confessions Tour). Razões para isso? Estarão no quadro do espectáculo de Madonna em que que ela surge numa cruz e que, segundo alguns, constitui "um acto de hostilidade em relação à Igreja Católica". Representantes de Madonna têm insistido que a "cena não desrespeita a Igreja".
Interessante. Tão interessante que vale a pena dar a ver o brilho e o glamour de tão inspirado momento. E enviar uma mensagem à senhora na cruz, nascida a 16 de Agosto de 1958, hoje a comemorar 48 radiosas primaveras. Parabéns.

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terça-feira, agosto 15, 2006

"O fascínio do desporto rei"

Pelo que se vê (e ouve), o Estádio do Restelo é, esta noite, um imenso deserto com mil ou duas mil pessoas a assistir a esse jogo decisivo — para quê? — que é o "amigável" entre o Estrela da Amadora e o Benfica. Ou seja: a RTP1 está sempre atenta aos grandes eventos culturais, capazes de mudar o destino do planeta e ocupa o seu glorioso horário nobre com a respectiva transmissão em directo. Se porventura as nossas mentes distraídas não conseguirem compreender o significado de tão magno evento, podemos sempre socorrer-nos das palavras de esclarecimento que, a propósito do jogo, o site da RTP nos proporciona: "A emoção e fascínio do desporto rei é aqui na RTP — espaço dedicado às transmissões dos melhores jogos de futebol nacional e internacional." Agradecemos o esclarecimento.

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Nem dois, nem japoneses!

Mais uma boa surpresa para um Verão de perfeita seca de acontecimentos. Chamam-se Fuijya & Miyagi. Nem são um duo. Nem japoneses… São um trio de Brighton (Steve Lewis, David Best e Matthew Haineby), com nome roubado a um fabricante de gira-discos da terra do sushi e que têm no novo álbum, Transparent Things, um dos mais estimulantes discos de canções feitas com electrónicas que já ouvimos este ano. O álbum, que tem por fãs confessos nomes como os de Tiga, Trvor Jackson, Andrew Weatherall ou a pandilha DFA, cruza a velha sabedoria kraut (os Can voam quais fantasmas por aqui) com o sentido de inteligência rítmica de uns Talking Heads (fase Brian Eno) e a luminosidade pop de uns Notwist… Pop electrónica?... Porque não?... De requinte gourmet, e para satisfazer almas ávidas de música diferente, mas de digestão agradável. O álbum terá brevemente distribuição local. Para saciar curiosidades, ver (e ouvir) a página destes senhores no MySpace.

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Brian Wilson celebra 'Pet Sounds'

Brian Wilson vai dar um concerto de celebração dos 40 anos da obra-prima dos Beach Boys: o álbum Pet Sounds. Animado pelos triunfais concertos de apresentação do “perdido” (e finalmente terminado) Smile, Brian Wilson irá interpretar Pet Sounds na íntegra, juntamente com alguns outros clássicos da sua carreira, em concerto marcado para o dia 1 de Novembro, no auditório do University College de Los Angeles. Na primeira parte actuarão os Scritti Politti.
Antes desta noite de festa, será editada, em finais de Agosto, uma versão comemorativa do álbum, incluindo a mistura original em mono e uma outra, em estéreo, da totalidade do disco. Como bónus áudio é servida a versão original de Hang On To Your Ego, a canção cuja letra “incomodou” Mike Love em 1966, temendo subtexto ligado a uma ideia de libertação do ego então associada ao consumo de LSD… Para não deitar por terra a sua ideia, Brian Wilson acedeu, então, a uma reescrita da letra… A edição comemorativa dos 40 anos de Pet Sounds inclui ainda um DVD, com um documentário making of sobre a concepção e gravação do disco, com entrevistas aos membros do grupo, uma outra entrevista a Brian Wilson, imagens um recente encontro entre George Martin e Brian Wilson, à volta da memória de God Only Knows e alguns filmes promocionais de 1966.

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Jagger sem voz... e o filme de Scorsese

Mick Jagger perdeu a voz depois do concerto no Porto, e os Rolling Stones acabaram por ter de cancelar o espectáculo marcado para a noite de ontem (segunda-feira) em Valladolid. Não haverá nova data e todos os portadores de bilhete (no total de 37 mil almas) podem pedir a devolução do que pagaram… Jagger está a ser acompanhado com vista a uma recuperação a tempo não só do próximo concerto oficial, a 20 de Agosto no Reino Unido, como de um outro, uma noite antes, num teatro de Nova Iorque, durante a festa de aniversário do ex-presidente Bill Clinton. Não seria má ideia a recuperação rápida, porque se diz que Martin Scorsese está pronto para filmar essa actuação nova-iorquina dos Rolling Stones… É caso para que Mick Jagger entre em cena dia 19 para afirmar: “a afonia já não mora aqui”.

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Singles: David Bowie, 1982

Nos 50 anos da morte de Brecht, uma memória “esquecida” da obra de David Bowie. Baal foi a primeira peça de Bertolt Brecht, em 1918, quando era ainda aluno na Universidade de Munique. A peça foi revista para encenação berlinense em 1926, mantendo-se as marcas da juventude do autor sobretudo vivas nos poemas que suportam as canções. Foram estas canções que, na verdade, entusiasmaram David Bowie em finais de 1981, num período de repouso editorial entre o fim da etapa Scarry Monsters e um episódio de reflexão de que nasceria Let’s Dance, dois anos depois. Produção para a televisão, sob realização de Alan Clarke, Baal renasceu em tradução de John Willett, com Bowie no papel principal. Desta adaptação nasceu um EP, Baal, discretamente editado em Fevereiro de 1982. A canção-chave da peça, Hymn Of Baal The Great, não é mais que a colagem de vinhetas, retrato frio e directo de uma figura que procura a redenção e encontra paz, no corpo de um monstro de sensualidade, libertino, grosseiro, irreverente. Bowie seguiu então as sugestões musicais dos dias de Brecht, evitando os rumos que a sua música procurava no presente. Cantou cinco temas em palco, acompanhando-se por um banjo. Depois de filmada a peça, rumou aos Hansa Studios em Berlim, onde rearranjou com David Muldowney, e sob produção de Tony Visconti, as cinco canções de Baal, juntando as vinhetas de Baal’s Hymn numa só canção e cortando as frases faladas a meio de outras. Nem a transmissão televisiva da peça constituiu um êxito (ao que parece a BBC programou a emissão num dia de potencial concorrência por um outro canal), nem o EP gerou vendas que se fizessem notar. E acabou esquecido. De resto, é um dos mais esquecidos dos discos de Bowie…

DAVID BOWIE (RCA, 1982)
Lado A: Baal’s Hymn (Brecht/Muldowney) + Remember Marie A (Tradicional adaptado por Brecht/Muldowney)
Lado B: Ballad Of The Adventurers (Brecht/Muldowney) + The Drowned Girl (Brecht/Weil) + The Dirty Song (Brecht/Muldowney)
Produção: Tony Visconti e David Bowie
Posição mais alta no Reino Unido: 29

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Das caves da BBC...

Novas "velhas" Peel Sessions a editar brevemente: Pulp, Siouxsie & The Banshees, Gene e House Of Love.

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Moby com Debbie Harry

Moby vai contar com a colaboração de Debbie Harry no tema inédito a incluir numa antologia de singles, com data de lançamento agendada para 6 de Novembro. Debbie Harry dará voz a New York New York, single que sera lançado a 23 de Outubro, antecipando a compilação, que terá por título Go: The Best Of Moby. No best of encontraremos os temas Go, Why Does My Heart Feel So Bad, In This World, Porcelain, In My Heart, New York New York, Natural Blues, Lift Me Up, Bodyrock, We Are All Made Of Stars, Slipping Away, Honey, Move, James Bond Theme e Feeling So Real. Um alinhamento claramente dominado pela fase pós-Play, grandes êxitos empacotados, poucas glórias antigas em revisão... Sem surpresas, portanto…

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domingo, agosto 13, 2006

'A Scanner Darkly' sem estreia nacional

Segundo a mais recente lista de estreias da distribuidora nacional, ficou claro que A Scanner Darkly, adaptação de Richard Linklater do romance com o mesmo nome de Philip K. Dick já não vai ter lançamento em sala entre nós. O filme, exibido em Cannes, não gerou entusiasmos, nem o box office norte-americano parece estar a ajudar… Mas trata-se não só de uma adaptação ao cinema de um romance de um dos mais destacados (e mais lidos entre nós) autores de ficção científica, como aposta num registo gráfico inovador que por si só justificaria a exposição em sala. Em contrapartida teremos o fabuloso O Rapaz Formiga, A Casa Fantasma e As Corridas Loucas de Ricky Bobby, filmes que, para a mesma distribuidora, certamente serão gigantescos sucessos de bilheteira ou pérolas para cineclube um dia recordar…
Resta-nos esperar a edição, local, de A Scanner Darkly em DVD. Ou encomendar, logo que disponível, o DVD inglês ou americano. Depois queixam-se da crise, que ninguém vai às salas, que patati patatá…
O trailer, que deixa boas impressões, vê-se aqui.


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Clássicos Talkin' Loud

A Talkin’ Loud, editora fundada em 1990 por Giles Peterson e que, nos primeiros anos de vida, foi das mais activas forças na divulgação de manobras estimulantes de recontextualização do jazz nas formas emergentes de músicas urbanas, vai ver reeditados oito títulos históricos do seu catálogo na próxima semana. Isto falando de acontecimentos no Reino Unido, que por estas bandas a gestão de reedições da Universal (a editora que representa a Talkin’ Loud) tem sido de constrangedor vazio, ignoradas, já este ano, importantes campanhas de reedições de nomes como Siouxsie & the Banshees, Ultravox ou Pulp…
Os "bifes" (ou nós também, se lhes comprarmos os discos) poderão reencontrar uma série de clássicos, todos eles com faixas bónus e textos nos booklets. Para o Outono podemos esperar com mais lançamentos de álbuns clássicos de Roni Size e Cortney Pine. Aqui fica a lista das primeiras oito reedições:

Nuyorican Soul “Nuyorican Soul”: Um CD bónus com temas adicionais e remisturas
MJ Cole “Sincere”: Um CD bónus com remisturas
Incognito “Tribes, Vibas And Scribes”: Cinco faixas bónus
Young Disciples “Road To Freedom”: Quatro faixas bónus
Galliano “The Plot Thickens”: Duas faixas bónus
Urban Species “Listen”: Duas faixas bónus
4Hero “Creating Patterns”: Uma faixa bónus
Terry Callier "Timepeace": Uma faixa bonus

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Discos Voadores, 12 Agosto

Esta semana uma homenagem a dois vultos fulcrais da história da música popular desaparecidos nas últimas semanas. Dois visionários que contribuíram para abertura de novos horizontes para a canção na recta final de 60: Syd Barrett em Londres, Arthur Lee na Califórnia.

Little Annie “Derma”
Amy Millan “Skinny Boy”
Semifinalists “You Said”
The Sounds “Tony The Beat”
The Pipettes “We Are The Pipettes”
Mates Of State “Fraud In The 80’s”
You Should Go Ahead “Melancholic Phantom”
Pink Floyd “Bike”
Love “Stephanie Knows Who”
Franz Ferdinand “Eleanor Put Your Boots On”
Spartak “King Tubby”
I’m From Barcelona “Collection Of Stamps”
Dandy Warhols “Have A Kick Ass Summer (Me & My Friends)”
CatPeople “Mexican Life”
TV On The Radio “Hours”
The Rapture “Get Myself Into It”

Final Fantasy “This Lamb Sells Condos”
Tom Verlaine “A Stroll”
JP Simões “Inquietação”
Love “The Red Telephone”
Love “Que Vida!”
Love “Alone Again Or”
The Byrds “Have You Seen Her Face”
Doors “You’re Lost Little Girl”
The Zombies “Time Of The Season”
Mazzy Star “Five String Serenade”
Pink Floyd “Astronomy Domine”
Pink Floyd “Arnold Layne”
Pink Floyd “The Gnome”
Syd Barrett “Wined And Dined”
The Weatherman “If You Only Have One Wish”
Hot Chip “Tchaparian”

Discos Voadores Sábado 18.00-20.00 / Domingo 22.00 -24.00
Radar 97.8 FM
ou radarlisboa.fm

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sábado, agosto 12, 2006

"Half Nelson": um filme a descobrir

As canções do filme Half Nelson são excelentes. Nove delas podem ser escutadas no respectivo site, incluindo três da banda de Toronto Broken Social Scene (dia 15, em Paredes de Coura).
Primeira longa-metragem de Ryan Fleck, Half Nelson foi um dos títulos de maior impacto no último Festival de Sundance, estando já a gerar, não apenas um enorme reconhecimento crítico (estreou ontem, dia 11, nos EUA), mas também um pequeno fenómeno de culto — sugerimos, por exemplo, a leitura da crítica de Rob Nelson em The Village Voice. A personagem central é um professor de um liceu de Brooklyn (Ryan Gosling), de alunos maioritariamente negros; nele, a energia idealista coexiste com a dependência de drogas e vai ser posta à prova pelo diálogo que começa a estabelecer com uma das alunas (Shareeka Epps). Para entrevermos um pouco da complexidade das relações que o filme tenta encenar, valerá a pena ouvir a entrevista que Ryan Fleck deu a Michele Norris, na NPR; aí encontramos também o trailer e três extractos do filme (no site da Apple, a qualidade de visão do trailer é melhor).
* APOSTA/SUGESTÃO: num mercado como o português em que estreiam tantos filmes anódinos, medíocres, histórica e comercialmente irrelevantes, não seria interessante algum distribuidor avaliar as possibilidades de lançamento de um filme como Half Nelson?

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Adoração dos cavalos

Quem não viu as fotografias de Madonna, assinadas por Steven Klein, na edição de Junho da revista W, poderá descobri-las agora no respectivo site. São cenas míticas com cavalos, verdadeiros exercícios de adoração e catarse, sete meses passados sobre o acidente de Madonna, quando cavalgava na sua propriedade. Recorde-se que Klein já fotografara Madonna em X-tactic process, portfolio que deu origem a duas exposições, em Nova Iorque (2002) e Berlim (2004).

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Paulo Branco: que cinema português?

Vale a pena ler a entrevista do produtor Paulo Branco a Eurico de Barros, no Diário de Notícias (11 de Agosto). Os pretextos imediatos para o diálogo são as suas participações em próximos festivais internacionais de cinema — como membro de júri, em Veneza, e ainda através de dois filmes que produziu: Body Rice, primeira longa-metragem de Hugo Vieira da Silva, a competir em Locarno, e Transe, de Teresa Villaverde, agendado para Toronto. Paulo Branco tece algumas contundentes considerações sobre a evolução/involução cultural do país, por um lado referindo a secundarização política (ou uma política de secundarização) de áreas como a produção de filmes, por outro lado apontando "a subordinação do poder político à força das televisões". Citação (entre a ironia e a esperança, como sublinha Eurico de Barros): "Espero que este seja só o lado paranóico da minha análise. É que o facto de se terem sempre conseguido fazer filmes em Portugal é heróico, mas agora já atinge dimensões épicas. Felizmente, é das dificuldades que muitas vezes nasce a qualidade. Não duvido que o cinema português continue a existir. Há 30 anos que o faz, no meio das maiores dificuldades."

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Joy Division (versão Anton Corbijn)

O filme Control, de Anton Corbijn, baseado na auto-biografia de Deborah Curtis, Touching From A Distance, avança devagar, mas avança. Foram revelados nomes de mais actores, estando já certo o lote de figuras a interpretar a Joy Division. Sam Riley era já dado certo no papel de Ian Curtis há algum tempo. A ele juntam-se James Pearsen (Bernard Sumner), Joe Andersen (Peter Hook) e Hay Treadaway (Stephen Morris). Do elenco fará também parte Samantha Morton, na pele de Deborah Curtis.
Os New Order vão gravar alguns temas para a bnada sonora, parecendo certo que o farão enquanto Joy Divsion. É verdade que 75 por cento da Joy Division está nos New Order. Mas passaram 26 anos, e mesmo que os New Order tenham voltado a tocar temas da Joy Division ao vivo (como vimos no notável concerto de 2005 no SBSR), não faz sentido voltar a gravar como tal. Era como se um eventual novo dueto de McCartney e Ringo (credo, que ideia!) acabasse lançado como Beatles…
O filme tem já site oficial, no qual por enquanto mais se não faz que avisar da estreia em 2007 e pedir inscrições para uma mailing list .

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FOTOGRAMAS: Os Pássaros, 1963

Talvez que o cinema — pelo menos o mais glorioso cinema clássico — seja a gestão deste sábio paradoxo: o efeito de bloco-notas bidimensional do real não contraria, antes parece favorecer, a emergência de uma dimensão outra do espaço em que todas as coordenadas vacilam, baralhando a física e atraindo a metafísica.
Alfred Hitchcock filmava o apocalipse dos pássaros sobre os humanos como a expressão natural de uma natureza (passe a redundância) perdida num universo que passou a descrer de qualquer hipótese divina. Daí que este seja um filme cuja perturbação existencial nunca se desvaneceu: a partir do momento em que a angelical Melanie Daniels (Tippi Hedren) chega a Bodega Bay, todos os males esquecidos do mundo parecem multiplicar até ao insustentável a solidão de cada ser humano. Talvez que este seja apenas um conto sobre a solidão e o seu espelho metódico que é o amor.
Experimentador nato, o velho Hitch — tinha, na altura, 64 anos e estava no apogeu do seu poder como produtor & realizador — testou, aqui, os próprios limites técnicos da imagem (com transparências e sobre-impressões) e do som (com a aplicação pioneira de recursos electrónicos). Mais do que um marco na evolução dos efeitos especiais, Os Pássaros é, por isso, a expressão obsessiva de um cinema que quer ver (e ouvir) mais do que os sentidos humanos prometem.

THE BIRDS / Os Pássaros
EUA, 1963

Realização: Alfred Hitchcock
Produção: A. H.
Argumento: Evan Hunter, a partir de uma história de Daphne du Maurier
Interpretação: Rod Taylor, Tippi Hedren, Jessica Tandy

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SuperRTP

* Noite de sexta-feira, dia 11 de Agos-to: a RTP1 programa Superman (1978), de Richard Donner, com Christopher Reeve. Tendo em conta que a programação da RTP1 se distingue por uma quase permanente indiferença pela actualidade cinematográfica — incluindo a actualidade do cinema português —, pelo menos esta é uma ocorrência que faz a diferença: há dias estreou nas salas portuguesas o novo Super-Homem: O Regresso, de Bryan Singer, e programar o mais antigo Superman é, no mínimo, uma maneira de sugerir algum enquadramento da idade moderna dos comics no cinema americano.
* Ora, a anteceder a passagem de Superman, que faz a RTP1? Programa o making of do novo Super-Homem: O Regresso. Tendo em conta que a programação da RTP1 se distingue por um permanente, soberano e militante alheamento da esmagadora maioria dos mais de 300 filmes que, por ano, estreiam nas salas portuguesas — incluindo quase todos os filmes portugueses —, desta vez constatamos que a televisão pública (?) decide promover um dos produtos de ponta da poderosíssima indústria americana.
* E faço questão que não se retire destas palavras aquilo que elas não dizem. Ou seja: não é Super-Homem: O Regresso que está em causa — o filme (que me parece um exercício simpático, mas menor) poderia ser uma gloriosa obra-prima, que a questão não se alterava. Muito menos se tenta sugerir que um qualquer blockbuster é necessariamente um filme "suspeito" — a história moderna de Hollywood é, tal como a sua história clássica, uma paisagem de imensos contrastes e podemos encontrar filmes fascinantes em todas as áreas, incluindo entre os blockbusters.
* Trata-se, isso sim, de perguntar como e porquê a (ausência de uma) política de abordagem do cinema pela RTP1 acaba por redundar nesta lei do menor esforço? Na prática, confere-se um lugar de destaque a um produto que é dos mais promovidos do ano, remetendo ao silêncio centenas e centenas de filmes que estreiam no mercado português — incluindo muitos de origem portuguesa.
* A RTP1 vai ao ponto de fazer isto na mais cândida ignorância do contexto em que o cinema, económica e culturalmente, vai acontecendo. Assim, no respectivo site, anuncia-se a passagem do making of com estas palavras: "Os bastidores do filme, considerado já um êxito, chegará até si através da RTP." Mesmo sem discutirmos as qualidades gramaticais de tão gloriosa frase, será que ninguém tentou avaliar até que ponto estas palavras — "considerado já um êxito" — correspondem a algo de minimamente consistente? Será que ninguém reparou que as receitas nas salas dos EUA de pouco mais de 190 milhões de dólares (337 no mercado global) significam um quase falhanço para uma produção na qual se dispenderam 260 milhões de dólares? Será que ninguém sabe que já há vários anos (para não dizer décadas) alguns dos mais respeitados analistas do cinema americano discutem, precisamente a propósito de filmes como este de Bryan Singer, os desequilíbrios gerados pela delirante inflação dos orçamentos? Será que ninguém dá atenção ao facto de, em Hollywood, haver mesmo quem considere o novo Super-Homem como um big money looser?
* Daí a pergunta: "Considerado já um êxito" por quem? Se a RTP1 tem uma nova, ousada e consistente leitura da vida económica da grande indústria cinematográfica americana, seria interessante que a partilhasse connosco. E, já agora, valeria a pena esclarecer se é dessa leitura que decorre o privilégio que, ostensivamente, se confere ao making of de um filme como Super-Homem: O Regresso.
* Entretanto, Superman passa em imagens incorrectas: a cópia transmitida é uma (mais uma, entre muitas) que não respeita o formato original — panavision (anamorphic) —, amputando significativamente esse formato em que, recorde-se, a largura da imagem é 2,35 vezes maior que a sua altura. Na prática, e tendo em conta que o ecrã televisivo tem as proporções 1,37:1, isso significa que, em cada fotograma, o espectador não vê cerca de 40 por cento da imagem original.

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quinta-feira, agosto 10, 2006

Towne, Robert: realizador e argumentista

* Robert Towne realizou o filme A Poeira do Tempo, com Colin Farrell e Salma Hayek, que estreia hoje em terras portuguesas.
* A Poeira do Tempo é uma adaptação de Ask the Dust, de John Fante, um dos mais belos e magoados romances americanos do século XX.
* Filme e romance contam a história de um amor trágico, entre o escritor Arturo Bandini (alter-ego de Fante) e Camilla Lopez, uma mexicana à procura de um lugar seguro no labirinto de Los Angeles nos tempos da Depressão.
* O cinema contemporâneo não é feito apenas dos títulos protegidos com campanhas esmagadoras (ou com "direito" a passar nos telejornais das televisões generalistas). O paradoxo de A Poeira do Tempo é que, sendo um objecto alheio a modas mais ou menos fugazes, é também um exercício narrativo que se mantém obsessivamente próximo do grande cinema romanesco made in Hollywood.
* Sobre Robert Towne, simplificando, digamos que é um dos grandes narradores do moderno cinema americano, mesmo se a sua carreira é feita de muitos e contrastados altos e baixos. Em todo o caso, o simples facto de ter escrito uma obra-prima do argumento — para Chinatown (1974), de Roman Polanski — faz dele uma referência de eleição na dinâmica daquele cinema.

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