terça-feira, maio 16, 2006

Terrível solidão

De repente, a estrela está só. Inapelavelmente, sem energia transfiguradora nem poesia redentora. A sua Missão Impossível III acumula milhões, mas são as contas relativas que importa fazer: no primeiro fim de semana, os analistas de Hollywood esperavam (e exigiam) 70 milhões de dólares, o filme ficou-se pelos 48; no segundo, a descida de rendimento é quase metade (47,6%). Com custos de produção de 150 milhões, M:I III é, para já, um modesto objecto de mercado.
Para completar o quadro pessimista, a demarcação simbólica veio de onde, talvez, menos fosse esperada. George Lucas — que não poderá ser acusado de ser um homem indiferente às convulsões técnicas e financeiras da indústria — veio lançar achas para a fogueira, declarando à MTV: "Penso que Tom Cruise provou que as pessoas estão a ficar cansadas deste tipo de produto. Querem ver algo diferente e, convenhamos, Indiana Jones é sempre diferente." Lucas estava, como é óbvio, a defender o Indiana Jones 4 (previsto para 2007) que ele próprio irá escrever e produzir, de novo ao serviço de Harrison Ford e Steven Spielberg. Em todo o caso, convém não reduzir estas trocas de galhardetes a meros conflitos de egos: Lucas sabe que Hollywood vive um processo de reconversão de todo o seu aparato tecnológico & narrativo, sabendo também, por isso mesmo, que a nobre arte de contar histórias não se pode perder nas mãos dos burocratas de efeitos especiais que conseguiram reduzir Tom Cruise a um triste boneco animado de duas dimensões.
Daí que importe recordar o que não está na moda e que toda uma imprensa de "sensações" gratuitas se empenha em esquecer. A saber: que Cruise pode ser um notável actor, capaz dos confrontos mais difíceis (com Paul Newman, em A Cor do Dinheiro; com Dustin Hoffman, em Rain Man) e também de experiências limite que definem toda uma carreira e, no limite, toda uma existência (De Olhos Bem Fechados, feito com Kidman e Kubrick). No fundo, Cruise está a protagonizar um dos mais difíceis papéis da sua vida: o de uma star que parece estar a perder o cinema capaz de o valorizar. Por vezes, a solidão é boa conselheira.

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