sexta-feira, maio 19, 2006

O 'punk' também sabe nadar

Larry Clarke regressa às ruas, desta vez acompanhando durante dois dias um grupo de adolescentes latinos do bairro degradado de South Central, em Los Angeles. Como em Kids, o filme vive sem a necessidade de uma sólida lógica narrativa, bastando-se quase exclusivamente das histórias pessoais das personagens (reais) e do que decorre da sua deambulação pelas ruas enquanto a câmara os acompanha. Mas, ao contrário de Kids, com argumento elaborado e fruto de um trabalho com uma série de actores (muitos deles profissionais ou futuros profissionais), Desafios da Rua é um retrato quase feito de realidades, sob ténue condicionamento um plano narrativo que Larry Clark ia desenhando intuitivamente, quase em jeito de improvisação, procurando, mais que em qualquer dos seus filmes anteriores, um quase retrato do espaço físico e humano que “fotografava”. Ou, como chegou a explicar, quase criando um documentário que não é um documentário… Porque, justificou, não faz documentários.
A ideia para o filme partiu da simples observação de uma realidade, tendo a sua construção procurado como meta a apresentação de um conjunto de miúdos que o realizador descreve e nos mostra, quase carinhosamente, como “simplesmente normais”. Porquê normais? Porque, como deixa claro na entrevista usada para efeitos de notas de produção que podemos ler no site oficial, não fumam, não tomam drogas, não bebem álcool, não ouvem hip hop como os que os rodeiam. E residem em South Central, bairro onde se desencadearam os tumultos que fizeram história em 1992 e a comunidade latina vive sucessivas situações de confronto com a comunidade negra, por espaços, por empregos...
A sequência que abre o filme, uma entrevista do líder do grupo Jonathan a Larry Clark, coloca-nos nessa fronteira entre o documentário e a ficção na qual caminha todo o filme. Segue-se uma apresentação do seu espaço, das suas roupas justas, das suas relações com as raparigas do bairro, a música punk que ouvem (derivados latinos dos Suicidal Tendencies) e os ensaios anárquicos com a banda em casa… Só na segunda parte do filme se sugere uma história, numa longa jornada que começa num carro no qual partem rumo aos “nove degraus” da Beverly Hills High, onde querem praticar saltos com os seus skates.

A música tem mais protagonismo na caracterização das personagens de Desafios da Rua que propriamente um papel determinante na acção. Há uma relativamente longa (e intreessante) cena de ensaio da banda dos jovens latinos protagonistas, uma outra de passeio de skate pelas ruas de South Central ao som de punk rock (facção hardcore) e, claro, uma identidade das personagens que decorre da sua afirmação como rockers (como contraponto a um cenário envolvente onde predomina o hip hop), daí mesmo o título original Wassup Rockers (e sublinhe-se aqui o péssimo título traduzido com o qual estreia entre nós). Mesmo assim, este é um filme que nos remete para episódios recentes da vida musical da cidade de Los Angeles, através de um jogo de observações sobre as identificações entre modos de vida e estilos de música que as tribos locais podem tomar como marcas de afirmação de personalidade. Mostra-nos snais de descendência punk e hardcore entre a comunidade latina de South Central, que partilha geografia com um bairro onde domina o hip hop (como recentemente vimos documentado no soberbo Rize, de David LaChapelle). E usa como banda sonora uma série de gravações de bandas punk locais, a maior parte cantando em espanhol. Todavia, não está editada, servindo o filme de documento único de uma música que, convenhamos, pouco interesse teria fora de contexto (leia-se sem as imagens).
Este post é uma versão editada de textos publicados no DN.