quarta-feira, abril 19, 2006

Remodelações: sim ou sopas

Nem sempre as “renovações gráficas” dão bons resultados. E o que aconteceu, nestas últimas semanas, com a Les Inrockuptibles e a Uncut, publicações com grande projecção (e ambição de o continuara a ser) mostra como se pode fazer o melhor… ou o pior.

Comecemos pela Uncut. Com 108 meses de vida, a revista britânica continua firme numa ideia centrada na música, mas ciente de que o cinema e os livros são periferias de interesse para o seu target. A renovação gráfica é mais ostensiva na capa (até o logo teve ordem de mudança) que no corpo da revista, que continua bem paginada, com saudável equilíbrio entre texto e imagem, e sem quaisquer mudanças na sua linha editorial. De novo há uma sequência de abertura com trivia e pequenas entrevistas, histórias, curiosidades, comparações… Com bom gosto, imaginação, humor q.b. As críticas de discos passam a ser arrumadas por ordem alfabética, baralhando novas edições e reedições (a antiga separação, na verdade, ajudava a arrumar as ideias…). O cinema é concentrado na recta final da paginação. Mais um lifting quer um peeling, uma boa revisão, sem danificar a personalidade de uma revista que consegue um bom jogo que equilíbrio entre o que é actual e a memória, entre a música e o cinema, o alternativo (sem excessos de nichos, o que se justifica numa revista de ambição de boa performance num certo segmento de mercado) e o mainstream digerível (sem escorregar nunca para os disparates que transformaram a Q numa espécie de RFM do jornalismo musical britânico). Hoje há revistas bem mais interessantes que a Uncut no departamento pop/rock. A Paste, a Under the Radar, a Comes With A Smile… Isto na oferta "alternativo e periferias", sem entrar em campos de maior especialidade e de nicho, onde não falta boa leitura. Mas a Uncut continua a justificar um lugar entre as publicações de referência no panorama pop global.

Algo completamente se deverá dizer da nova Les Inrockuptibles. Enfermando daquela mania de querer ser rebelde e não tomar banho, a Les Inrocks, até aqui uma das interessantes publicações do meio, por cruzar inteligente música, cinema, livros e demais artes, resolveu agora ter uma secção de abertura... política. Como se não bastassem já as irregulares ansiedades não-pop da Rolling Stone! Como se não houvesse já suficiente jornalismo político (e até mesmo de política cultural) que chegasse. Em França, em função da cor (política) do leitor, há o Le Monde ou o Liberation… E mais além... Para quê, então, uma abertura agit prop na Les Inrocks? Sobretudo se a dose obriga a evidentes cortes no espaço para a música, o cinema, os livros. Ou seja, os motivos pelos quais se comprava a revista e não outras publicações. Não fossem os CDs de antecipação das temporadas e pontuais bons dossiers, passava já para o departamento das memórias (como a Q)… Em francês, pop, nada como, hoje, a Magic! Ah, o novo grafismo da Les Inrocks nem é mau. Mas com esta actual política editorial, nem com design de galeria de arte!

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