quinta-feira, novembro 24, 2005

À espera de "Munique"

O filme de Steven Spielberg sobre o atentado terrorista palestiniano contra os Jogos Olímpicos de 1972 — Munique — promete ser um caso muito especial. Desde logo, no plano temático: embora se saiba muito pouco sobre o filme e a sua estrutura, é conhecida a intenção do realizador de A Lista de Schindler (1993) de não escamotear a violência terrorista, mas também de colocar em cena as tensões inerentes ao processo de vingança desencadeado pelas autoridades israeli-tas, mandando assassinar, um por um, os palestinianos envolvidos no atentado.
Terá sido para acentuar essa dimensão, acentuando também a interrogação filosófica e ética que a vingança desencadeia, que Spielberg convidou o dramaturgo Tony Kushner (Anjos na América) a reescrever a primeira versão do argumento do filme, assinada por Eric Roth. Aliás, para esclarecer tal opção dramatúrgica, Spielberg emitiu, há cerca de dois meses, um comunicado com aquelas que são, até agora, as suas únicas palavras oficiais sobre Munique. Dizia ele:
“Ver a resposta de Israel aos acontecimentos de Munique através dos olhos dos homens enviados para vingar aquela tragédia acrescenta uma dimensão humana a um episódio horrível que, habitualmente, apenas avaliamos em termos políticos ou militares. Acedendo ao modo como a implacável determinação desses homens, procurando ter êxito na sua missão, lentamente foi dando lugar a dúvidas perturbantes sobre o que estavam a fazer, creio que podemos aprender algo de importante sobre o trágico impasse em que, hoje, nos encontramos.”
Mas o filme será também um caso à parte no plano da divulgação, promoção e marketing. É isso, pelo menos, que anuncia o cronista Nikki Finke, personalidade muito bem informada sobre os bastidores de Hollywood, na sua coluna do “LA Weekly”, “Deadline Hollywood”. Segundo Finke, Munique não só não terá o habitual press junket (entrevistas), como não será objecto de qualquer ante-estreia. Mais ainda: embora a data da estreia americana (23 de Dezembro) seja escolhida de modo a que o filme ainda possa concorrer às nomeações para os próximos Oscars (cerimónia a 5 de Março de 2006), além dos habituais trailers e cartazes não haverá qualquer campanha específica de promoção visando os membros da Academia de Hollywood que votam para a escolha dos nomeados.
Neste momento, o site oficial do filme apenas inclui uma ficha reduzida, uma breve apresentação da história e disponibiliza o primeiro trailer. O único cartaz divulgado inclui, num dos seus formatos, esta frase: “Em 1972, o mundo assistiu ao assassinato de onze atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique — esta é a história do que aconteceu depois.”
Na sua crónica, Finke cita estas palavras emblemáticas de uma fonte do círculo spielberguiano: “A estratégia oficial é deixar o filme falar por si próprio. A única coisa que vão fazer é mostrar o filme às pessoas. É preciso ser-se Steven Spielberg para ir para a frente com isso.”
De facto, assim é. Sendo os filmes “oscarizáveis” tradicionalmente objecto de campanhas muito elaboradas, visando aqueles que irão decidir as respectivas nomeações, é preciso um poder imenso e, ao mesmo tempo, uma admirável frieza para estancar, à partida, qualquer especulação promocional — um filme é um filme é um filme.
Numa altura em que algumas formas de promoção de algumas produções americanas — incluindo nos mercados estrangeiros em que nos situamos — não primam pelo rigor informativo nem pela serenidade do estilo, o que (não) vai acontecer com Munique constitui, desde já, um exemplo notável de defesa do cinema enquanto acontecimento específico. E também um apelo a uma reflexão exigente sobre o próprio filme.
* Munique (site oficial)
* Memória das Olimpíadas de 1972 no site oficial do
Movimento Olímpico

MAIL